"O que a memória retém, gravado no meu espírito desde aqueles dias doirados, é a experiência da amizade, a aproximação a essa ideia latente e mítica de Felicidade, alimento do resto dos nossos dias (sol a roçar o mar, visto da torre da nunca acabada Mesquita de Rabat, poisada sobre terreiro polvilhado de fustes e fundações de colunas; banhos nas prais desertas do Atlântico, ondas altíssimas e suaves, ruínas romanas à vista; pó encobrindo cavalos e cavaleiros, fuzis disparados a um metro de distância; janelas abertas de um carro desajustado, a ferver sob o sol, recusando o Atlas como o Deserto; tronco curvado ao entrar na Mesquita de Fez; couro tingido a mil cores, de odor tão insuportável quanto a beleza; linha nítida na fronteira do deserto, pedrinha negra contra areia em cor de Gaugin; calma nas esplanadas onde se bebe chã de menta, silêncio ou sussurro, olhar doce, olhar e voz de uma cultura antiquíssima de sábios e poetas; desembarque em Algeciras, de novo as vozes agudas, tumulto nos cafés e nos terraços).
Recordo isso e muito mais e não acredito que seja apenas nostalgia. Recordo a ausência de ansiedade.
Presença dos Ausentes."
Álvaro Siza
Julho de 2006, Porto
in "1967 Marrocos"
terça-feira, 18 de outubro de 2011
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1 comentário:
bastante do que senti
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