quarta-feira, 3 de julho de 2013

a Oriente




















"... o Oriente, com a sua carga de exotismo, voltou a ser uma atraente fonte de inspiração para muitos jovens ocidentais, que vêm procurar na religião e nos costumes de cá as respostas que parecem já não encontrar nas escolas e nas igrejas dos seus países. O misticismo oriental, o budismo e os gurus asiáticos parecem ter maior aptidão para ajudar quem quer fugir à escravidão do consumismo, aos bombardeamentos da publicidade e à ditadura da televisão do que todos os nossos mestres-filósofos.
Vindos de um mundo super-organizado, onde tudo está garantido e onde até os desejos parecem ser determinados por um qualquer interesse que não os deles, os jovens ocidentais exploram cada vez mais as vias orientais da espiritualidade.
Nas minhas viagens pela Ásia vi muitas vezes corpos europeus envoltos na túnica cor-de-laranja ou roxa dos monges budistas, mas nunca me interessei pela sua história. Neste ano tinha um motivo para me deter, para escutar, e foi assim que conheci, por exemplo, um florentino como eu, ex-jornalista, que professou num mosteiro tibetano, e um jovem poeta holandês que escolheu a via da meditação rigorosa num templo a sul de Banguecoque. Ambos vítimas da desorientação do nosso tempo, de diferentes maneiras."

TERZANI, Tiziano, in Disse-me um Adivinho, Edições tinta-da-china, 2009, pp.26

terça-feira, 26 de março de 2013

Uma ideia da Índia


"Com que então estiveste na Índia. Divertiste-te?
Não.
Aborreceste-te?
Também não.
O que te aconteceu na Índia?
Fiz uma experiência.
Que experiência?
A experiência da Índia.
E em que consiste a experiência da Índia?
Consiste em fazer a experiência daquilo que a Índia é.
E o que é a Índia!
Como hei-de dizer-te? A Índia é a Índia.
Mas suponhamos que eu não sei de todo o que é a Índia. Diz-me tu p que é.
Eu também não sei verdadeiramente o que é a Índia. Sinto-a, é tudo. Também tu deverias senti-la.
O que queres dizer?
Quero dizer que deverias sentir a Índia do mesmo modo que se sente, no escuro, a presença de alguém que não se vê, que guarda silêncio, no entanto está lá.
Não te compreendo.
Deverias senti-la, lá longe, a oriente, para lá do Mediterrâneo, da Ásia Menor, da Arábia, da Pérsia, do Afeganistão, lá longe, entre o Mar da Arábia e o Oceano Índico, onde está e te aguarda.
Aguarda-me para fazer o quê?
Para não fazer nada.
Mais uma vez não te compreendo.
Ou melhor, para não fazer, em absoluto.
Está bem. Mas ainda não me disseste o que é a Índia.
A Índia é a Índia.
Diz-mo numa fórmula, numa frase, num slogan.
Pois bem, a Índia é o contrário da Europa.
Fico a saber o mesmo. Em primeiro lugar, seria preciso que me dissesses o que é a Europa.
Prefiro encontrar um slogan para a Índia. Ora bem, digamos que a Índia é o país da religião.
E isso seria o contrário da Europa. Mas a Europa também é religiosa.
Não, a Europa não é religiosa.
No entanto, as religiões pagãs do Mediterrâneo e dos países nórdicos, o catolicismo, a Reforma...
Não importa. A Europa não é religiosa.
É o quê a Europa?
Se eu fosse indiano, talvez to soubesse dizer. Como europeu, torna-se-me difícil.
Então imagina que és um indiano.
Como indiano, dir-te-ia: a Europa, aquele continente onde o homem está convencido de que existe e de que se encontra no centro do mundo, e onde o passado se chama história, e a acção é preferida à contemplação; a Europa onde comummente se crê que a vida vale a pena ser vivida, e onde o sujeito e o objecto convivem em boa harmonia, e duas ilusões como a ciência e a política são levadas a sério e a realidade nada esconde, e no entanto, apesar disso, é nada; o que tem a Europa a ver com religião?
(...)
A Índia não é um país com uma religião historicamente bem definida, com um fundador, uma evolução, um passado, um passado e um futuro. A Índia é o país da religião como situação existencial."

in Uma ideia da Índia, de Alberto Moravia, Edições Tinta da China

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Paredes brancas















Tarde branca no museu. 

Entre paredes brancas, o ruído contínuo, embalador, ensurdecedor. Projecta cor, paisagem, o fora de uma ilha jardim. Bonito, quente, às vezes, distante. Imagens que voam no meio do nada. Entre paredes brancas, de telas brancas, ou negras, que a lixívia tingiu. 

O vazio, o silêncio, o nada, num instante em que até o tempo parou. 


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Cada sítio é um filão













"CADA SÍTIO É UM FILÃO. Basta andar por aí. Não ter pressa, estar sentado numa casa de chá a observar quem passa, pôr-se a um canto do mercado, ir cortar o cabelo, e depois seguir o fio de uma meada que pode começar numa palavra, num encontro, no amigo do amigo de uma pessoa com quem acabámos de nos encontrar, e o lugar mais insípido, mais insignificante do planeta, transforma-se num espelho do mundo, numa janela aberta para a vida, num teatro da humanidade diante do qual poderíamos deter-nos sem necessidade de ir a mais sítio nenhum. O filão está exactamente onde nós estamos. Basta cavar."1

FILÃO ou esplêndida viagem.
CAVAR ou olhar verdadeiramente para onde vivemos, onde vamos, onde trabalhamos, o que fazemos, o que sentimos, o que somos.

Vamos continuar viagem.

1 TERZANI, Tiziano, in Disse-me um Adivinho, Edições tinta-da-china, 2009, pp.331

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Alimento do resto dos nossos dias

"O que a memória retém, gravado no meu espírito desde aqueles dias doirados, é a experiência da amizade, a aproximação a essa ideia latente e mítica de Felicidade, alimento do resto dos nossos dias (sol a roçar o mar, visto da torre da nunca acabada Mesquita de Rabat, poisada sobre terreiro polvilhado de fustes e fundações de colunas; banhos nas prais desertas do Atlântico, ondas altíssimas e suaves, ruínas romanas à vista; pó encobrindo cavalos e cavaleiros, fuzis disparados a um metro de distância; janelas abertas de um carro desajustado, a ferver sob o sol, recusando o Atlas como o Deserto; tronco curvado ao entrar na Mesquita de Fez; couro tingido a mil cores, de odor tão insuportável quanto a beleza; linha nítida na fronteira do deserto, pedrinha negra contra areia em cor de Gaugin; calma nas esplanadas onde se bebe chã de menta, silêncio ou sussurro, olhar doce, olhar e voz de uma cultura antiquíssima de sábios e poetas; desembarque em Algeciras, de novo as vozes agudas, tumulto nos cafés e nos terraços).
Recordo isso e muito mais e não acredito que seja apenas nostalgia. Recordo a ausência de ansiedade.
Presença dos Ausentes."

Álvaro Siza
Julho de 2006, Porto
in "1967 Marrocos"

domingo, 11 de setembro de 2011

Dibujo en el aire





Ya no quiero vivir con los temores
que prefiero entregarme a la ilusión
y lo que creo, defenderlo con firmeza,
sin historias que me abulten el colchón

Y si un día me siento transformado
y decido reorientar la dirección,
tomare un nuevo rumbo sin prejuicios
porque en el cambio esta la evolución

E el cambio esta la evolución

Que mi camino se encuentre iluminado
y la negrura no enturbie el corazón
discernimiento al escoger entre los frutos,
decision para subir otro escalón
Vivir el presente hacia el futuro
guardar el pasado en el arcón,
trabajar por el cambio de conciencia,
dibujar en el aire una canción.

Chambao, Pokito a Poko, Dibujo en el aire


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em cada pé que se pousa



Os pés são ferramenta essencial desse teu corpo. Base que te leva e traz. E até os meus pés foram confrontados nessa sua fragilidade aparente. Expostos a cada momento, olhei-os como nunca os tinha olhado. Soltei-os. Finquei-os na terra e fiz deles parte consciente de mim. Faz toda a diferença se te transportas de um lado para outro, corpo físico ao serviço de uma mente ou te tomas como corpo, espírito e mente, partes iguais de um todo maior. Cada um como parte de ti e dessa tua missão que se trava a cada momento, em cada pé que se pousa. Pés que se encontram com a terra seca e áspera, com os mosaicos frios e húmidos, com a água da loiça que cai, com o pó que se acumula na mercearia, com os peixes que te tratam como num spa, com a abelha caída que acabaste de pisar, ou ainda com o sapo que te acabou de saltar.

Cada sensação mostra-te onde estás, lembra-te que estás aqui, neste sítio, agora, e não te deixa vaguear, dentro do conforto dos teus sapatos que pisam a realidade sem a olhar. Lembram-te que a natureza chega para cuidar do teu corpo. Mostram-te que apenas um momento de distracção pode valer muito porque vives sem o layer da protecção. E dizem-te que és simplesmente mais um, mais um ser entre tantos, que percorrem o mesmo caminho, sobre a terra.