terça-feira, 26 de março de 2013

Uma ideia da Índia


"Com que então estiveste na Índia. Divertiste-te?
Não.
Aborreceste-te?
Também não.
O que te aconteceu na Índia?
Fiz uma experiência.
Que experiência?
A experiência da Índia.
E em que consiste a experiência da Índia?
Consiste em fazer a experiência daquilo que a Índia é.
E o que é a Índia!
Como hei-de dizer-te? A Índia é a Índia.
Mas suponhamos que eu não sei de todo o que é a Índia. Diz-me tu p que é.
Eu também não sei verdadeiramente o que é a Índia. Sinto-a, é tudo. Também tu deverias senti-la.
O que queres dizer?
Quero dizer que deverias sentir a Índia do mesmo modo que se sente, no escuro, a presença de alguém que não se vê, que guarda silêncio, no entanto está lá.
Não te compreendo.
Deverias senti-la, lá longe, a oriente, para lá do Mediterrâneo, da Ásia Menor, da Arábia, da Pérsia, do Afeganistão, lá longe, entre o Mar da Arábia e o Oceano Índico, onde está e te aguarda.
Aguarda-me para fazer o quê?
Para não fazer nada.
Mais uma vez não te compreendo.
Ou melhor, para não fazer, em absoluto.
Está bem. Mas ainda não me disseste o que é a Índia.
A Índia é a Índia.
Diz-mo numa fórmula, numa frase, num slogan.
Pois bem, a Índia é o contrário da Europa.
Fico a saber o mesmo. Em primeiro lugar, seria preciso que me dissesses o que é a Europa.
Prefiro encontrar um slogan para a Índia. Ora bem, digamos que a Índia é o país da religião.
E isso seria o contrário da Europa. Mas a Europa também é religiosa.
Não, a Europa não é religiosa.
No entanto, as religiões pagãs do Mediterrâneo e dos países nórdicos, o catolicismo, a Reforma...
Não importa. A Europa não é religiosa.
É o quê a Europa?
Se eu fosse indiano, talvez to soubesse dizer. Como europeu, torna-se-me difícil.
Então imagina que és um indiano.
Como indiano, dir-te-ia: a Europa, aquele continente onde o homem está convencido de que existe e de que se encontra no centro do mundo, e onde o passado se chama história, e a acção é preferida à contemplação; a Europa onde comummente se crê que a vida vale a pena ser vivida, e onde o sujeito e o objecto convivem em boa harmonia, e duas ilusões como a ciência e a política são levadas a sério e a realidade nada esconde, e no entanto, apesar disso, é nada; o que tem a Europa a ver com religião?
(...)
A Índia não é um país com uma religião historicamente bem definida, com um fundador, uma evolução, um passado, um passado e um futuro. A Índia é o país da religião como situação existencial."

in Uma ideia da Índia, de Alberto Moravia, Edições Tinta da China